Vamos de Vinho

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Opinião

Quem diria, seu vinho pode ter sido feito por um robô

Admito que fiquei um pouco atônito com o novo gerador de vídeos apresentado na semana passada pelo Google. E logo pensei na extensão dessa capacidade de manipulação de dados para um dos meus assuntos preferidos: o vinho e o conhecimento que o cerca. Será que, de alguma forma, vamos tomar vinhos fake? Ou será que eles já estão no meu copo?

Bem, alguns usos de inteligência artificial, aprendizado de máquinas e análise avançada de dados já são usados há algum tempo nos vinhedos. A agricultura de precisão é uma busca constante de muitos produtores. Hoje, sistemas bastante avançados monitoram condições climáticas, de irrigação, de avanço de doenças e tudo que envolve a administração das videiras (e até o trabalho nelas, com drones e tratores que aprendem como são as condições de cada planta para trabalhá-las de forma meticulosa).

A IA ajuda a escolher orientações de plantio, antecipar intervenções e evitar desperdício de recursos. As decisões passam a ser menos orientadas pelo instinto (por mais educado que seja) do agricultor. É melhor para a eficiência econômica e até para reduzir danos ambientais causados pela aplicação exagerada de pesticidas.

Por enquanto, somente produtores de certo porte conseguem usar esses recursos. Alguns até de renome, como o Chateau Montelena (famoso por vencer o histórico Julgamento de Paris, em 1976). A Forbes fez uma boa matéria com o enólogo da vinícola.

Mas esse enólogo aí em cima está com os dias contados?

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Imagem: Imagem gerada por IA

É meio cedo para dizer que a enologia vai ser toda conduzida por computadores, mas já existem, claro, algumas iniciativas nesse sentido. Algumas são apenas melhoramentos sobre processos já existentes, como monitoramento da fermentação. Mas outros buscam identificar o perfil de gosto de consumidores, fornecendo insumos para a tomada de decisões de marketing e até mesmo de que tipo de vinho produzir. Uma das empresas desse ramo se chama Tastry.

A própria avaliação da qualidade de vinhos deve passar por mudanças. Hoje em dia, normalmente se reúnem grupos de experts que tentam avaliar vinhos às cegas e, normalmente, atribuir pontos a eles (eu desconfio demais disso tudo, mas é papo para outro momento). Um artigo muito interessante da Harvard Data Science Review sugere que talvez a tecnologia jogue isso tudo pro passado. Clique aqui para ler, em inglês (recomendo muito).

IA pode ajudar a combater falsificações

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Um experimento da Universidade de Genebra feito com ajuda de IA mapeou os componentes químicos dos vinhos de alguns produtores de Bordeaux (em várias safras). Os cromatogramas (esse é nome do mapinha) chegaram a separar 30 mil pontos característicos de cada vinho e conseguiram diferenciar um do outro com 100% de precisão.

Essa ferramenta é útil para produtores que têm seus vinhos frequentemente falsificados, pois permite comparar o líquido, nos mínimos detalhes, com a matriz original.

Isso que escrevi é uma simplificação, talvez grosseira, do experimento. Para saber mais detalhes, a revista Decanter tem uma reportagem mais extensa a respeito.

A IA pode me ajudar a escolher vinhos?

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Imagem: Imagem gerada por IA

Sim, já existem iniciativas que mapeiam o seu gosto pessoal e fazem indicações baseadas nele. Algumas, como a MyOeno e a Preferabli, são bastante sofisticadas. Outras são apenas desenvolvidas em cima de grandes plataformas de IA generativa, como o GrapeGPT, cujo nome é autoexplicativo.

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Por que isso tudo me aborrece um pouco

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Sou, claro, incapaz de negar a grande ajuda que a tecnologia presta no vinhedo, evitando problemas nas safras e até preservando o meio ambiente. Mas, de alguma forma, sinto que todos os esforços nomeados acima trabalham para uma certa uniformização do vinho e criação de câmaras de eco do gosto (e, convenhamos, já bastam as da política). Espero que a gente consiga manter algum nível de artesania (senão de arte mesmo) na produção de vinhos, e que sempre haja pessoas dispostas a conhecer vinhos diferentes, sua história e suas histórias.

SAIDEIRA

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Imagem: Divulgação

Esse eu não devo tomar
A Aubert & Mathieu, do Languedoc, usou o ChatGPT para fazer vinho. Em entrevista à Decanter, Anthony Aubert conta que, dispondo de uvas syrah e grenache orgânicas, perguntou à IA que vinho ele deveria fazer no sul da França. A partir daí, o motor da OpenIA deu dicas de vinificação (ajustadas por humanos), de nome, de rótulo e de formato de garrafa. O resultado foi o provocativo The End, que nunca experimentei.

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Imagem: Divulgação

Esse tava bom
Peço desculpas por falar novamente de um vinho da Arte da Vinha, mas acho que o Magmatic Chenin Blanc 2021 vem ao caso. Feito com mínima intervenção e fermentação espontânea (sem leveduras comerciais). Floral, com frutas como pêssego, nectarina e algo de mineral, consegue ser ao mesmo tempo típico da casta e bastante original. Cheio de sabor e com pouco álcool. Duvido que um algoritmo consiga fazer algo parecido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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