Um quarto das adolescentes sofre violência no namoro; como protegê-las?

Mesmo os primeiros namoros, ainda na adolescência, podem ser experiências violentas especialmente para garotas. E as consequências destas dinâmicas podem ser tanto imediatas quanto duradouras.

Dor visível - e invisível

Um estudo da Organização Mundial de Saúde divulgado em julho do ano passado apontou que cerca de um quarto (24%) de todas as meninas passam por violência sexual ou física em seus relacionamentos antes do 20º aniversário. A estimativa é de que o total seja de 19 milhões de garotas agredidas em todo o mundo.

Mas estes números se referem apenas à violência que se pode ver. Garotas que passam por violência psicológica por parte de seus namorados têm maior risco de depressão, ansiedade, abuso de substâncias como álcool e drogas, comportamento agressivo e pensamentos suicidas, segundo dados do CDC (Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) apontados uma reportagem da rede americana CNN em março.

Como identificar um namoro tóxico na adolescência?

Um artigo da ONG americana CAWC (Connections for Abused Women and their Children, ou "Conexões para Mulheres Abusadas e Seus Filhos") de janeiro apontou os principais sinais de relacionamentos adolescentes tóxicos.

Estas "red flags", as tais bandeiras vermelhas, podem ser observadas e identificadas pelas próprias garotas ou por seus pais:

  • Ciúme extremo: um namorado ou namorada que constantemente questiona onde você está ou fica nervoso/a se você passa tempo com amigos pode estar exibindo sinais de comportamento controlador;
  • Isolamento: um parceiro que a desencoraja a passar um tempo com sua família ou amigos é uma "red flag" daquelas. Isolamento é uma tática comum de abusadores para exercer o tal controle do item anterior;
  • Ameaças ou intimidação: qualquer forma de ameaça de um namorado ou namorada --seja em relação a você, entes queridos ou até contra eles mesmos-- deve ser levada a sério. Isso inclui ameaçar divulgar qualquer informação particular do casal ou ameaçar se ferir caso você tente sair do namoro;
  • Violência física: nem todas as relações abusivas envolvem violência física, mas qualquer situação que envolva tapa, socos ou qualquer forma de agressão física é um sinal claro de abuso;
  • Comportamento manipulador: este é o item mais difícil de perceber que está acontecendo porque envolve gaslighting --aquelas situações em que o namorado ou namorada faz a garota questionar sua própria realidade ou seus próprios sentimentos. Por exemplo, eles podem diminuir suas preocupações em relação ao comportamento deles como bobagem e dizerem que está exagerando. Há sempre o risco de chantagem emocional também. Há ainda dois tipos de comportamento manipulador que detalharemos: "grooming" ou aliciamento e o tal "love bombing".

Grooming: abuso começa antes do primeiro beijo

O grooming ou aliciamento é um processo em que o parceiro agressor estabelece uma conexão emocional com a vítima para manipulá-la, explorá-la e abusá-la muito antes que o envolvimento se torne físico entre os dois. Frequentemente associado ao abuso infantil, o grooming também é parte de alguns relacionamentos adolescentes e até adultos, especialmente quando há diferença de idade ou de poder dentro da dinâmica do casal. Ele envolve:

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  • Formação de confiança: o namorado ou namorada começa criando um sentimento de conexão entre ele e a vítima, oferecendo muita atenção, conforto e carinho no início para que ela baixe a guarda e não seja capaz de se defender ou se desligar dele. A palavra-chave é dependência. O "groomer" ganha a confiança da namorada para que ela se torne emocionalmente e/ou fisicamente dependente dele;
  • Isolamento: como foi explicado acima, quem isola a namorada quer exercer controle e isso inclui eliminar quaisquer outras pessoas que possam exercer influência sobre sua vida e seu comportamento;
  • Dessensibilização: o namorado ou namorada tóxica pode gradualmente introduzir tópicos ou comportamentos inapropriados na dinâmica do namoro, tirando a capacidade da vítima de impor seus limites e até de reconhecer que sofre violência emocional. Isso acontece em forma de comentários sugestivos feitos como brincadeira, mas que podem levar a atos explícitos com os quais a garota não estava confortável ou emocionalmente preparada para consentir.
  • Exploração de vulnerabilidades: o abusador/a frequentemente tem como alvo garotas que percebem ser vulneráveis por traumas anteriores, autoestima baixa ou outros fatores. Eles podem se apresentar como "salvadores" no início, mas a exploração das "fraquezas" os torna capazes de controlar melhor a garota em longo prazo.

"Love bombing" ou muita paixão?

O "love bombing" é outra tática de relacionamentos abusivos, especialmente comum na adolescência, em que o namorado/a enche a garota de afeto e atenção logo de cara. Ela explora intencionalmente as vulnerabilidades emocionais da garota, especialmente daquelas que sonham com este tipo de carinho.

Diante de demonstrações de uma enorme intensidade de sentimentos, a adolescente cria confiança no relacionamento e até se sente igualmente apaixonada. No entanto, esta situação se prova uma armadilha para manipulá-la a se comportar da maneira como o abusador quer. Veja os sinais:

  • Atenção excessiva: um namorado/a que a bombardeia com presentes, elogios e mensagens pode criar a ilusão de uma relação perfeita. Mas se as demonstrações parecem desproporcionais ou exageradas, especialmente se o casal está junto há pouco tempo, fique atenta. Em vez de lidar com alguém romântico, você pode estar lidando com quem não quer que você veja as "red flags" do seu namoro;
  • Tudo é rápido demais: novamente, se a relação parece estar ficando séria rapidamente demais, com grandes declarações de amor e promessas para o futuro, o seu parceiro ou parceira pode estar tentando fechar seus olhos para os aspectos negativos do namoro ou até querendo garantir que você não vá terminar tudo.
  • Manipulação de sentimentos: se um namorado ou namorada muito cheio de amor para dar, do nada, passa a exigir atenção e validação, fazendo com que você se sinta culpada ou reponsável pelo bem-estar emocional deles... Cuidado! Isso é controle.
  • "Esfriamento" do carinho: após uma fase de muita paixão, se ele ou ela cria um ciclo de altos e baixos, em que tudo o que você faz está errado de repente, mas logo eles pedem desculpa e amam demais de novo...Esta situação, além de emocionalmente exaustiva para a vítima, é abusiva.

E no sexo?

Mesmo que uma dinâmica sexual não "pareça" estupro, ela ainda pode ser violenta e abusiva. Consentimento deve ser sempre explícito, entusiástico e contínuo, ou seja, a garota tem o direito de mudar de ideia a qualquer momento e parar o sexo. Estes comportamentos são abusos sexuais:

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  • Beijos forçados ou "roubados";
  • Toques com os quais você não concordou antes;
  • Pressão/chantagem emocional para transar;
  • Pressão/chantagem emocional para não usar preservativo e/ou outro método anticoncepcional;
  • Mentir sobre o uso de contraceptivo;
  • Manipular a garota a querer engravidar.

Como pais podem identificar e proteger adolescentes de namoros abusivos?

Segredo é um canal aberto de comunicação. "Pais precisam construir relações com seus filhos em que eles saibam que os pais vão ouvir e serão curiosos, mas não vão reagir imediatamente", explicou à CNN a professora assistente de psicologia da Vanderbilt University, Krista Mehari. Ou seja, construir um laço de confiança, em que a garota não tenha medo de se abrir ou de ser punida e julgada.

Pais devem estar atentos ao comportamento, mas também em conversas com os filhos, a sinais de namoro abusivo. Se eles se sentem ofendidos pelo namorado ou namorada, ouvem críticas constantes sobre sua aparência ou peso, se não são encorajados em seus interesses como esportes, escola e etc., não recebem apoio para serem independentes como, por exemplo, fazer faculdade ou aceitar aquele emprego, ouvem ameaças ou tiveram pertences danificados pelo parceiro, a relação é violenta.

Ao ver estes sinais, é preciso começar uma conversa desconfortável. Um bom caminho, segundo especialistas, pode ser discutindo séries, novelas, filmes ou documentários que mostram um exemplo de relacionamento tóxico/abusivo, apontando como aquilo que um personagem fez não é correto e criando uma oportunidade para que a adolescente possa se abrir.

Se a conversa não acontecer naturalmente até ali, pode ser interessante trazer uma terceira pessoa. Pode ser uma amiga da família, uma avó, um professor —alguém em que a adolescente confie— e que possa ser mais objetivo que os pais, apontando como seu comportamento está mudando. Uma boa alternativa é dar exemplos de relacionamentos de conhecidos, bons ou ruins, que possam servir de referência para que ela enxergue como seu namoro não tem sido saudável.

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Finalmente, ensine a ela que pode dizer "não". Garotas são socialmente encorajadas a evitar o "não" para serem gentis e agradáveis, mesmo quando isso as faz desconfortáveis ou as coloca em risco, segundo a professora Krista Mehari. É importante ajudá-las a se tornarem confiantes a respeito de seus próprios limites, mesmo em relacionamentos.

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